Uso de testes e estatísticas informa qual modalidade esportiva é mais indicada para cada criança.
Talento é algo bastante singular. Essa capacidade típica dos
humanos é descrita pelo dicionário Michaelis de língua portuguesa como
“agudeza de espírito, disposição natural ou qualidade superior; espírito
ilustrado e inteligente, grande capacidade; força física, vigor” e é
uma característica que diferencia muitos profissionais em diversas
áreas. No caso dos esportes, ter talento pode ser um grande indicativo
de sucesso, quando o atleta é levado a um preparo que colabore para o
desenvolvimento de sua potencialidade. O avanço da ciência torna-se uma
grande aliada na detecção destes talentos e consegue dar indicativos de
como treiná-los para que se tornem atletas de alta performance.
Testes
físicos e padronizados que medem habilidades variáveis como
flexibilidade, força, velocidade etc são empregados para determinar o
potencial de um atleta para uma modalidade específica. No caso do
ex-atleta de alta performance norte-americano Michael Phelps, por
exemplo, os modernos recursos tecnológicos e científicos conseguiram
demonstrar que suas características morfológicas, como tamanho de mãos e
pés, envergadura de braços, capacidade cardiorrespiratória etc, eram
mais do que perfeitas para a prática de natação, sendo apenas uma das
justificativas de seu enorme sucesso dentro das piscinas.
Luis
Carlos Oliveira, profissional de Educação Física, professor
universitário e instrutor de pesquisa do Centro de Estudos e Laboratório
de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs), SP, conta que a
detecção de talentos também acontece no Brasil, por meio da Estratégia Z
Celafiscs, tese de livre-docência do professor Victor Matsudo, uma das
referências sobre o assunto. “Essa estratégia Z leva em consideração as
variáveis como aptidão física, composição corporal, velocidade, força,
flexibilidade etc para, em uma ferramenta estatística, fazer uma
comparação daquele atleta com a média das pessoas com a mesma idade e
sexo e, com isso, dar um prognóstico de qual é a potencialidade de uma
criança para uma determinada modalidade esportiva”, explica.
Atletas de laboratório: o “Z “ da questão
O
teste é realizado, geralmente, em crianças imaturas sexualmente para
poder descobrir precocemente seus talentos, potencializando-os para que
aquele indivíduo possa receber o treinamento mais adequado para vir a se
tornar um atleta de alta performance. “O trabalho é feito em cima dos
princípios do crescimento e desenvolvimento, respeitando a idade ideal
para trabalhar cada variedade esportiva e tentando potencializar esse
talento”, conta Oliveira. Em adultos é possível detectar o potencial,
mas pouca coisa consegue ser transformada depois por meio do treinamento
- vantagem que a turminha mais nova ainda domina. A maturidade sexual,
por determinar a maturidade biológica, acaba sendo preferível à idade
cronológica, já que é mais variável entre as crianças.
Outras
características pessoais dão indícios de que aquela criança pode ter
talento para o esporte. Oliveira conta que a menarca (primeira
menstruação) costuma acontecer, em média, entre 12.6 anos nas meninas
brasileiras, mas entre mulheres atletas, essa idade é mais tarde, entre
14 e 16 anos. Dessa forma, a menarca tardia pode ser um indicador de que
aquela menina tem potencial para ser atleta, dentro das outras
variáveis que também devem ser analisadas na Estratégia Z. “A força é
uma variável de maturação tardia, que só vai aparecer nas meninas por
volta dos 14 anos e, nos meninos, até dois anos mais tarde. Se uma
criança apresentar potencial de força precoce, então esse pode ser um
outro indicador de que, se trabalhado adequadamente, poderá se
desenvolver como atleta”, exemplifica o instrutor.
Depois de
identificar os indícios de que as variáveis de potência aeróbia, força,
velocidade, flexibilidade etc sugerem que aquela criança está acima da
média de sua idade, a equipe da Celafiscs, por exemplo, sugere
modalidades esportivas que mais têm a ver com a capacidade física
daquela pessoa para que o treinador possa criar o melhor treinamento de
carga, volume etc adequado àquela idade, para que a criança maximize e
desenvolva tais características e possa se tornar um atleta de alta
performance no futuro, demonstrando como o uso do “laboratório” pode
influenciar a atividade esportiva de uma forma benéfica.
Talento não significa sucesso
Predisposição
para ser um bom atleta não garante que aquela criança, ao se
desenvolver, vai ser bem-sucedida na carreira esportiva. Sem um
treinamento adequado que potencialize e amplie suas habilidades e sem a
força de vontade para seguir nesse preparo, o sucesso se distancia.
“Acho
importante também não explorar excessivamente o talento esportivo. Se
você pega uma criança antes da puberdade, com 12, 13 anos e coloca uma
sobrecarga excessiva de treinamento, ela pode sofrer um fenômeno chamado
Burnout. Aí, quando chega sua idade de maior potencial de rendimento,
entre 18 e 24 anos, ela está estressada, saturada e não aguenta mais
treinar porque perdeu o melhor da sua infância e adolescência se
dedicando às competições: enquanto os amigos iam pra festa do pijama na
sexta à noite, ela estava concentrada para uma disputa no sábado cedo,
lidando com a pressão da disputa e dos patrocinadores”, defende Luis
Carlos Oliveira.
O instrutor destaca que se deve respeitar o
ritmo de desenvolvimento natural da criança, já que talento esportivo é
resultado dos seguintes aspectos:
- biológico: como é o corpo e a capacidade desse corpo para a realização daquela atividade;
- técnico: tem que ter habilidade motora praquela modalidade;
- psicológico: tem que ter perseverança, resiliência e entender que esporte não é feito só de vitórias;
- ambiente social: família, amigos, técnico, patrocinadores e as expectativas que eles colocam no atleta.
“A
carga genética corresponde a 80% de um atleta de alta performance.
Somos produtos da interação do gene e do meio ambiente”, destaca o
instrutor da Celafiscs, que é professor universitário de atletismo, que
provoca: “quantos esgrimistas bons temos no Brasil? Quantas crianças
tiveram contato com um florete na vida para saber se tem talento pra
essa modalidade?”.
Dessa forma, se uma criança não tiver contato
com determinadas práticas esportivas como o atletismo, por exemplo, não
será possível descobrir se ela tem potencial para a corrida. “Não
adianta ter potencial genético se não expõe ao ambiente favorável. Assim
como não adianta pegar um garoto sem talento e levar pra Jamaica pra
treinar com o Hussein Bolt”, conta Oliveira.
Detectar esses
potenciais atletas de alta performance com o uso de ferramentas
científicas é possível e foi algo muito usado na década de 1980, sendo
inclusive responsável por talentos como a Hortência (ex-jogadora de
basquete) e Vera Mossa (ex-jogadora de vôlei). “Brasileiro gosta de
sofisticação, exame de íris e impressão digital. Acha bacana, mas
esquece que com fita métrica, cronômetro e balança, consegue fazer a
mesma coisa”, afirma o instrutor de pesquisas do Celafiscs, que defende
que a boa nutrição também é essencial para o talento do futuro atleta.
Sem a alimentação adequada, qualquer talento pode ser desperdiçado.